sábado, 17 de abril de 2010

Falando como ateu...

...pregar o ateísmo usando o argumento de que Deus não pode existir por causa de certos males terríveis que ele não evita é tão estúpido e limitado (basta pensar que é precisamente desses males que nasce a necessidade do conceito consolador do Deus bom) é a mesma coisa que dizer que Deus não existe porque não é benevolente aos nossos olhos ou que uma determinada coisa não existe porque não é como a gente quer ou como os que acreditam dizem que é. Equivale a este raciocínio:

-Eu vi um veado azul.
-Não há veados azuis, portanto não viste nenhum veado.

E isto para não dizer que não se é ateu por ser "fixe". É-se porque não se consegue evitar. Faz parte de uma maneira de ser e pensar. Nada tem a ver com conhecimento, inteligência ou extra-racionalidade. Por muito que se escandalizem certos ateus com os males da religião, o facto é que a inexistência de qualquer Deus ou não existência de tal ideia NÃO TRAZ QUALQUER VANTAGEM PARA A CIVILIZAÇÃO, só traz para o indivíduo e mesmo assim, só eventualmente. Pregar o ateísmo não traz vantagem para ninguém. Dá apenas uma breve sensação de um instante de liberdade, nada mais.

Se pensassem com menos nervosismo já tinham percebido que foi devido a uma confusão à volta do conceito de Logos que certas pessoas aproveitaram para dizer que a bíblia era a palavra de Deus mas que foi o próprio responsável por esse destaque do conceito de Logos, ou seja, Heraclito, quem disse que o "Logos universal" não era inteligível pelo ser humano e como tal, se Fílon de Alexandria, na sua tentativa de conciliação do judaísmo e do platonismo, usa a palavra Logos devia estar também aí implícito que esse Logos não pode ser aquele em que consiste o discurso da Bíblia (embora possa ser mencionado nela por São João evangelista) pois esta está escrita em linguagem humana.

Na frase de São João "no princípio era o verbo" a palavra verbo é a tradução do grego Logos. Ora ele diz que o mundo é criado de acordo com esse Logos. Ele chega mesmo a dizer "e o verbo estava com deus. e o verbo era Deus". Isto já Heraclito tinha dito ("tudo se passa de acordo com o Logos") mais de meio milénio antes. Só não tinha posto essa disposição temporal de "princípio" no conceito. Portanto, tal como Fílon colocou o conceito, assim São João o utilizou. Nada tem a ver com o discurso da Bíblia. A bíblia ser a palavra de Deus é uma questão que nem devia existir. Quando Paulo diz que as escrituras são escritas por inspiração divina isso acaba por ser redundante pois tudo o que dizemos pode ser resultado de inspiração divina, ou seja, trocado por miúdos, por uma percepção do Logos, mas tal como o que está escrito na bíblia, sai em linguagem humana. Mas como "tudo se passa de acordo com o Logos" nós podemos ir verificando se o que sai em linguagem humana é compatível com o que observamos na realidade que é regida pelo Logos, independentemente de não podermos conhecê-lo directamente.

Em suma, não vale a pena discutir um conceito que se define por ser indiscutível, tentar falar da inteligibilidade de uma coisa que tem como base não ser inteligível ou tentar comunicar dentro dos limites da linguagem algo que se declara como sendo ilimitado e exterior à linguagem.

Às vezes penso se não seria melhor eu ser agnóstico só para não ser associado a gente tão atrasada mental como certos ateus que conheço...

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